Em fevereiro de 2019, foi apresentado a Câmara dos Deputados um Projeto de Lei de nº 1096/2019, o qual visa acrescentar o parágrafo segundo no art. 442 da CLT, para dispor pela inexistência de vínculo empregatício entre a Confissão Religiosa e seus Ministros, Pastores, Presbíteros, Bispos, Freiras, Padres, Evangelistas, Diáconos, Anciãos e Sacerdotes.
Apesar da propositura da inclusão do disposto normativo na CLT, aparentemente ser interessante, data máxima vênia, tal projeto de lei, não merece seguir com o trâmite legislativo, pois do ponto de vista material, tal propositura, por interferir diretamente na relação entre a Igreja e os seus ministros, violaria a liberdade de organização religiosa, que é consagrado no artigo 19, I, da Constituição Federal, na medida em que proíbe que o Estado “embarace” o funcionamento das denominações religiosas.
Ademais o Artigo 16 do Acordo Brasil Santa Sé, que se originou de um tratado internacional bilateral, já trata da questão do vínculo empregatício entre os clérigos e as Confissões religiosa, tornando inócuo tal proposição legislativa.
O Estado Brasileiro de Direito não deve intervir nas normas legais e jurídicas da Igreja Católica que é autônoma e independente entre si, sendo de sua responsabilidade única e exclusiva a constituição civil da Confissão religiosa.
O Acordo Brasil Santa Sé, assinado em novembro de 2008, é o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, responsável pela consolidação das disposições legais e consuetudinárias, em um único instrumento jurídico, o qual estabelece as relações entre a Igreja Católica e o Estado Brasileiro.
Quanto a desconhecida hierarquia legislativa e jurídica do Acordo Brasil Santa Sé, trata-se de um tratado internacional estipulado entre duas entidades soberanas de direito público internacional, com status hierárquico supralegal, ou seja, abaixo da Constituição Federal, mas acima de toda a legislação infraconstitucional, assim como já está pacificado entre o STF e STJ, e em entendimento análogo ao §3º do art. 5 da CF.
Um dos princípios estruturantes do Acordo Brasil Santa Sé diz respeito a autonomia e independência da Igreja Católica perante o Estado, restando reconhecido a libertas Ecclesiae; que com o prosseguimento do processo legislativo do Projeto de Lei 1096/2019, estará evidentemente afrontada.
Com relação ao tema do vínculo empregatício entre ministros ordenados e suas respectivas dioceses e os fiéis consagrados e os Institutos religiosos, a matéria já é pacífica tanto pela doutrina, jurisprudências e em nosso ordenamento jurídico, através do próprio Acordo Brasil Santa Sé, em seu artigo 16, senão vejamos:
Artigo 16
Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas instituições:
I -O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.
II -As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira.
Com o advento do artigo 16 do Acordo Brasil Santa Sé, resta legislado a respeito da inexistência do vínculo empregatício entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados.
Com relação as tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes, poderão ser realizadas a título voluntário, em atenção aos dispositivos já previstos na legislação trabalhista brasileira e na Lei 9.608 de 1998 que regulamenta o serviço voluntário.
Na relação de trabalho exercida pelos clérigos, não está configurado os requisitos para o reconhecimento do vínculo empregatício, conforme art. 3º da CTL. A subordinação é de natureza meramente eclesiástica, e a onerosidade visa exclusivamente a manutenção das necessidades básicas através das côngruas, que não tem natureza salarial.
Quanto as atividades laborativas exercidas pelos os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos, não se trata de trabalho ou profissão, mas sim o cumprimento de uma vocação divina, estando este subordinado a Deus, e a todos os ordenamentos bíblicos.
Diante disso, tendo em vista que o Acordo Brasil Santa Sé, é um tratado internacional bilateral, que consolida as relações entre Estado e Igreja no Brasil, o projeto para normatização da relação trabalhista entre clérigos e Igreja, resta superado, já que inexiste vínculo empregatício entre eles.
Autor(a)
Andressa Miranda Alves Pinto – Advogada; especialista em direito do trabalho e processo trabalho; mestranda em administração.