A abolição do Segredo Pontifício, determinado pelo Santo Padre em seu mais recente rescrito, é uma decisão de suma importância para a Igreja. Contudo, antes de adentrarmos às particularidades dessa questão, é importante salientarmos que o “Segredo Pontifício” não se confunde com “Sigilo Sacramental”, imposto aos sacerdotes confessores, que continuam totalmente proibidos de violar o segredo do sacramento da penitência.
O sigilo sacramental imposto aos confessores, tem previsão legal no cânon 1388 do Código de Direito Canônico. Portanto, continua proibido a revelação da confissão, podendo sua violação, inclusive, culminar na excomunhão latae sententiae do sacerdote.
A estrutura da Igreja, dentre os vários “órgãos” que compõe seu corpo (do qual Cristo é a cabeça), funcionam os Tribunais Eclesiásticos, que tem como juiz natural o Bispo Diocesano, que delibera sobre matrimônios e outras questões, além de sua competência penal.
Dentro de sua competência penal, cabe aos Tribunais Eclesiásticos julgarem as pessoas que se sujeitam ao Código de Direito Canônico, pelo cometimento dos delitos nele previstos, a exemplo dos casos que envolvem abuso sexual.
Os processos penais seguem os ritos e procedimentos previstos no próprio Código de Direito Canônico, que apesar das diferenças substanciais, em muitos aspectos se assemelha com nosso direito. Ao final, são aplicáveis as penas cabíveis previstas no código, como, por exemplo, a excomunhão latae sententiae ou a demissão do estado clerical.
Em verdade, o Segredo Pontifício em muito se parece com “Segredo de Justiça”, existente em nosso ordenamento jurídico. A Instrução ´Secreta Continere´ é um documento elaborado pela Secretaria de Estado da Santa Sé e aprovado pelo Papa Paulo VI em 4 de fevereiro de 1974, que contém as normas sobre o “Segredo Pontifício”.
A decisão do Papa Francisco em abolir esse “Segredo Pontifício”, altera justamente a instrução acima referida, referente aos delitos previstos no “motu proprio” Vos estis lux mundi” e no “motu proprio” Sacramentorum Sanctitatis Tutela, além da “Normae de gravioribus delictis”, ou seja, nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos, e também nos casos que envolvem pornografia infantil.
O efeito prático dessa decisão implica na possibilidade de as autoridades civis requererem os documentos (denúncias, provas e decisões) constantes dos autos dos processos canônicos, afim de que possam tomar as providencias cabíveis contra os clérigos ou membros de Institutos de Vida Consagrada ou Sociedades de Vida Apostólica, que tenham cometido delitos sexuais com menores.
Contudo, a instrução ressalva: “as informações serão tratadas de forma a garantir a sua segurança, integridade e confidencialidade, a fim de proteger a boa reputação, a imagem e a privacidade de todas as pessoas envolvidas”.
Mesmo preservando o segredo de ofício, o mesmo “não impede o cumprimento das obrigações estabelecidas em cada localidade pela legislação estatal, incluindo possíveis obrigações de denúncia, bem como o acompanhamento das resoluções executivas das autoridades judiciais civis”.
Portanto, apesar da complexidade do tema tratado, o ato do Santo Padre em nada surpreende aqueles que acompanham o dia a dia da Igreja, sendo este um caminho natural para que, enfim, esses problemas sejam solucionados.
*Victor Naves é advogado, diretor jurídico da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese de Goiânia, especialista em direito constitucional e administrativo, mestrando em direito canônico.
Fonte: https://www.rotajuridica.com.br/artigos/o-que-significa-o-fim-do-segredo-pontificio/