No imaginário popular, o papel de padrinho de batismo muitas vezes se resume a um título honorífico, vinculado a afetos familiares ou conveniências sociais. Em muitas celebrações, a escolha recai sobre parentes próximos, amigos íntimos ou colegas de trabalho, sem maior reflexão sobre o real significado dessa função. No entanto, à luz do Direito Canônico, ser padrinho é mais do que uma deferência simbólica: trata-se de um munus eclesial, com exigências jurídicas e responsabilidades espirituais concretas.
Este artigo se propõe a analisar, à luz da legislação canônica vigente, a natureza jurídica dos padrinhos no sacramento do Batismo, os requisitos para sua escolha e as consequências da banalização desse ofício sagrado por critérios alheios à fé e à moral católica.
Natureza e função jurídica dos padrinhos
Conforme o cân. 872, o padrinho (ou madrinha) tem a missão de ajudar o batizado a viver uma vida cristã coerente com o Batismo, bem como colaborar com os pais na educação da fé, se necessário. O Código é claro ao qualificar essa função como uma tarefa eclesial estável, com dimensão espiritual e pedagógica, destinada a perdurar ao longo da vida do batizado.
Essa função não é decorativa, tampouco facultativa em termos práticos. O padrinho não é apenas testemunha da celebração, mas alguém chamado a influenciar espiritualmente o afilhado, acompanhando seu crescimento na fé, especialmente nos momentos mais decisivos da vida cristã. Ao aceitar esse encargo, assume-se diante de Deus e da Igreja uma obrigação moral e pastoral.
Requisitos canônicos para ser padrinho
O cân. 874 estabelece critérios objetivos para que alguém possa ser admitido validamente como padrinho de batismo. São eles:
• Ter completado dezesseis anos de idade;
• Ser católico, confirmado e já ter recebido a Eucaristia;
• Levar uma vida de fé condizente com a função que vai desempenhar;
• Não estar atingido por pena canônica, como excomunhão ou interdito;
• Não ser o pai ou a mãe do batizando.
Esses requisitos demonstram que o padrinho não pode ser escolhido apenas por vínculos afetivos ou interesses sociais. A Igreja exige testemunho de vida cristã autêntico, pois o papel não é apenas o de assistir à celebração, mas o de ajudar a formar um discípulo de Cristo.
Infelizmente, muitos padrinhos e madrinhas são escolhidos sem observar essas exigências, o que compromete não só o sentido espiritual da celebração, mas também sua legitimidade jurídica. A escolha de uma pessoa que claramente não pratica a fé, não participa da vida sacramental da Igreja, ou vive em situação pública de irregularidade (como uniões não sacramentais), é contrária ao espírito e à letra da norma canônica.
A crítica à escolha por conveniência social
A prática comum de se convidar padrinhos por laços afetivos, status social ou reciprocidade familiar está em desacordo com o que o Direito Canônico propõe. Tal conduta revela um esvaziamento do sentido religioso do Batismo e uma visão secularizada dos sacramentos. Ao reduzir o papel do padrinho a um gesto de cortesia ou formalidade social, ignora-se sua missão espiritual e jurídica na vida do batizado.
Além disso, essa prática gera problemas práticos e pastorais. Muitos padrinhos sequer compreendem sua função, não acompanham o afilhado espiritualmente, não participam da catequese ou da vida litúrgica, e, em alguns casos, afastam-se completamente da fé. A Igreja, por meio do pároco ou do ministro responsável, tem o dever de verificar previamente se os indicados como padrinhos preenchem os requisitos canônicos. Caso contrário, deve recusá-los, ainda que isso gere desconfortos familiares.
Responsabilidade da comunidade e do ministro
Cabe aos ministros ordenados e às comunidades paroquiais formar e conscientizar os fiéis quanto à seriedade do compromisso de ser padrinho. Não se trata de mera burocracia, mas de assegurar que o batizado tenha, ao seu lado, um verdadeiro testemunho de fé.
O pároco, ao preparar a celebração do Batismo, deve orientar os pais sobre os critérios exigidos pela Igreja e, se necessário, indicar que a escolha não atende aos requisitos. Ainda que isso implique em reações adversas, é parte do dever pastoral zelo pelos sacramentos e respeito à norma canônica.
Da mesma forma, os fiéis devem compreender que o sacramento do Batismo, embora gratuito e misericordioso, exige respostas responsáveis. A escolha do padrinho é uma decisão que deve ser tomada com oração, discernimento e sentido de fé, e não como um agrado ou uma formalidade social.
Considerações finais
O Direito Canônico não trata os padrinhos como uma mera formalidade, mas como cooperadores da graça sacramental, com funções jurídicas e espirituais bem definidas. A prática de nomeá-los por conveniência social desvirtua o sacramento e enfraquece o processo de iniciação cristã.
Para preservar a autenticidade do Batismo e a integridade da fé, é indispensável que os fiéis, os ministros e os responsáveis pelas paróquias observem rigorosamente os critérios estabelecidos. Ser padrinho é mais do que um título: é uma missão de fé, reconhecida e legitimada pela Igreja. A escolha equivocada, baseada apenas em laços afetivos ou compromissos sociais, representa uma falha jurídica e pastoral que deve ser enfrentada com coragem e clareza.