A eleição do Papa é um dos momentos mais solenes e simbólicos da Igreja Católica. Embora envolva aspectos espirituais e litúrgicos, trata-se também de um procedimento altamente regulamentado, com regras claras e etapas bem definidas pelo Direito Canônico, especialmente pela Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis. Neste artigo, explicamos como ocorre o processo de votação no Conclave, desde o início do escrutínio até a validação da escolha do novo Sucessor de Pedro.
1. O que é o escrutínio papal?
A única forma válida atualmente para a eleição do Papa é o escrutínio secreto, abolidas as antigas modalidades por aclamação ou por delegação. Isso significa que todos os cardeais eleitores devem votar de forma individual, sigilosa e consciente.
Para que um candidato seja considerado eleito, é necessário que obtenha pelo menos dois terços dos votos dos cardeais presentes. Quando o número não permite divisão exata, é exigido um voto adicional, assegurando a maioria qualificada.
2. Quantas votações podem ocorrer por dia?
No primeiro dia de Conclave, pode haver apenas uma votação. A partir do segundo dia, realizam-se duas votações pela manhã e duas à tarde, totalizando até quatro escrutínios diários, conforme previsto nas congregações preparatórias.
Se nenhuma eleição for alcançada após três dias de votações, os cardeais fazem uma pausa para oração e reflexão, acompanhada de uma breve exortação espiritual. Esse ciclo pode se repetir até o máximo de 30 votações.
3. Etapas do escrutínio
Cada sessão de votação é dividida em três fases: pré-escrutínio, escrutínio e pós-escrutínio.
Pré-escrutínio
Os cardeais recebem cédulas com a frase Eligo in Summum Pontificem (“Elejo como Sumo Pontífice”). Abaixo, escrevem o nome do escolhido, com caligrafia não identificável. Em seguida, sorteiam-se três grupos de cardeais:
- Escrutinadores, que contam os votos;
- Infirmarii, que recolhem os votos de cardeais doentes;
- Revisores, que conferem a regularidade do processo.
Escrutínio
Os cardeais, um a um, se aproximam do altar, fazem um juramento e depositam suas cédulas na urna. Votos de cardeais enfermos são coletados discretamente pelos Infirmarii, inclusive os que estão hospedados na Domus Sanctae Marthae.
Finalizada a votação, os Escrutinadores:
- Contam as cédulas;
- Verificam se coincidem com o número de eleitores;
- Leem em voz alta os nomes votados;
- Furam cada ficha, reúnem-nas em um fio e as guardam.
Pós-escrutínio
Os Revisores verificam todo o processo e, ao final, as cédulas e qualquer anotação feita pelos cardeais são queimadas, garantindo o segredo absoluto. O Cardeal Camerlengo redige um relatório sobre a sessão, aprovado pelos Cardeais Assistentes, e o documento é arquivado com total sigilo.
4. O que acontece se não houver eleito?
Se nenhum candidato atinge os dois terços exigidos, novas votações são realizadas. Caso o impasse persista após várias rodadas, os cardeais podem, por maioria absoluta, adotar um dos seguintes métodos:
- Permitir a eleição por maioria simples;
- Restringir os votos aos dois nomes mais votados no escrutínio anterior.
Mesmo nesses casos, continua sendo necessária a maioria absoluta para a eleição ser válida. Qualquer tentativa de eleição fora das regras da Constituição Apostólica é considerada nula, não sendo reconhecida, ainda que o eleito aceite o cargo.
5. O rigor se aplica mesmo em caso de renúncia papal
As regras do Conclave aplicam-se integralmente mesmo quando o Papa anterior renuncia ao cargo, como ocorreu com Bento XVI em 2013. A vacância da Sé Apostólica é juridicamente equivalente à morte do Pontífice, exigindo a mesma seriedade e obediência aos procedimentos normativos.
Conclusão
A eleição do Papa é um evento singular, marcado pela espiritualidade e pelo rigor jurídico. As normas que regem o Conclave demonstram o cuidado da Igreja em preservar a legitimidade, o sigilo e a liberdade da escolha. Esse processo é um verdadeiro modelo de procedimento eleitoral institucional, com regras claras, fases bem definidas e mecanismos de controle e fiscalização.