Esterilização Terapêutica x Contraceptiva: Entenda a Diferença Segundo a Doutrina Católica

Esterilização Terapêutica x Contraceptiva: Entenda a Diferença Segundo a Doutrina Católica - Naves Advogados

A esterilização é um tema delicado dentro da ética católica, pois toca em dois bens fundamentais: a vida e a transmissão da vida. A Igreja, fiel ao ensinamento de Cristo e à tradição moral, afirma de modo categórico que a esterilização direta, isto é, aquela realizada com a intenção de eliminar a capacidade procriativa, constitui sempre um ato intrinsecamente mau. Esse ensinamento foi reafirmado de forma solene pelo Papa Paulo VI na encíclica Humanae Vitae e encontra-se igualmente consolidado no Catecismo da Igreja Católica.

No entanto, nem toda forma de esterilidade decorrente de intervenção médica é moralmente ilícita. Há casos em que a perda da fertilidade ocorre como consequência inevitável de um tratamento legítimo e necessário para a saúde do paciente. É nesse contexto que surge a distinção entre a esterilização contraceptiva e a esterilização terapêutica.

A Esterilização Contraceptiva e sua Ilicitude Moral

A esterilização contraceptiva é aquela em que a supressão da fertilidade é buscada diretamente como objetivo ou como meio para impedir a procriação. Ela pode se dar por diversos procedimentos médicos, como a laqueadura de trompas ou a vasectomia, mas também por qualquer intervenção destinada unicamente a impedir a fecundidade de maneira definitiva ou temporária.

Do ponto de vista moral, a Igreja ensina que tal prática é intrinsecamente ilícita, independentemente das razões invocadas. Isso porque fere a ordem natural inscrita no matrimônio e na sexualidade humana, cuja essência é a união dos cônjuges aberta à vida. Ao excluir deliberadamente a fecundidade, a esterilização contraceptiva introduz uma ruptura entre os dois significados do ato conjugal: o unitivo e o procriativo.

Não se trata, portanto, de julgar apenas as intenções subjetivas dos indivíduos, mas de reconhecer a natureza objetiva do ato: uma intervenção dirigida a tornar impossível a geração da vida. Por isso, ainda que alguém alegue razões econômicas, sociais ou até de saúde não grave, o ato permanece imoral, pois sua estrutura é contrária ao bem da vida e ao plano de Deus para o matrimônio.

A Esterilização Terapêutica e o Princípio do Duplo Efeito

Diferente é o caso da esterilização terapêutica. Nela, a perda da fertilidade não é procurada como fim nem como meio, mas aparece como consequência secundária, indesejada e inevitável de um tratamento médico que tem por objetivo preservar a saúde ou mesmo salvar a vida da pessoa.

Um exemplo clássico é o da remoção do útero em situação de câncer avançado. A intenção do médico e da paciente, neste caso, não é eliminar a fertilidade, mas retirar o órgão gravemente comprometido. A esterilidade surge como efeito colateral inevitável, mas não como objetivo desejado.

Além da histerectomia, podem ser mencionados outros procedimentos que, embora resultem em esterilidade, não possuem caráter contraceptivo. A ooforectomia, que consiste na retirada dos ovários, pode ser indicada em casos de tumores malignos ou em situações de risco hereditário elevado para câncer. A salpingectomia, por sua vez, implica a remoção das trompas de Falópio, necessária em alguns casos de infecções graves ou mesmo como medida preventiva contra determinados tipos de câncer. Em todos esses exemplos, a esterilidade que decorre do procedimento não é buscada em si, mas apenas tolerada como efeito indireto de um tratamento necessário.

Esse discernimento moral é iluminado pelo chamado princípio do duplo efeito. Segundo esse princípio, um mesmo ato pode produzir dois efeitos: um bom e outro mau. O efeito bom — como a preservação da vida ou a cura de uma enfermidade — é diretamente querido; o efeito mau — como a perda da capacidade de procriar — é apenas tolerado, nunca desejado nem tomado como meio para alcançar o resultado positivo.

Assim, quando uma mulher, por exemplo, necessita da remoção do útero em razão de um câncer, ou quando se faz indispensável a retirada de ovários ou trompas para eliminar um grave risco de saúde, a esterilidade que daí decorre não torna o ato moralmente ilícito. O objetivo permanece legítimo: salvar a vida ou restaurar a saúde, e não impedir a procriação.

Fundamentos Doutrinários e Canônicos

O ensinamento da Igreja sobre a esterilização encontra sua formulação mais solene na encíclica Humanae Vitae, publicada por São Paulo VI em 1968. No n. 14, o Papa declara de modo inequívoco:

“É de excluir-se absolutamente, como via legítima de regulação dos filhos, a esterilização direta, tanto perpétua como temporária, tanto do homem como da mulher. É igualmente de excluir toda ação que, quer em previsão do ato conjugal, quer na sua realização, quer no desenvolvimento de suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação.” (Humanae Vitae, n. 14).

Essa passagem mostra que a proibição da esterilização direta não é apenas um preceito disciplinar, mas um juízo moral definitivo, que reconhece a esterilização voluntária como contrária à própria natureza do matrimônio e do ato conjugal.

O Catecismo da Igreja Católica (1992), em sintonia com a Humanae Vitae, retoma o mesmo princípio e acrescenta uma dimensão pedagógica ao ensinamento. No n. 2370, encontramos:

“As formas de regulação da natalidade fundadas na continência periódica e no recurso aos períodos infecundos são conformes aos critérios objetivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, encorajam a ternura entre eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica.

Pelo contrário, é intrinsecamente má ‘toda a ação que, quer em previsão do ato conjugal, quer na sua realização, quer no desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação’ (Humanae Vitae, 14).” (CIC, n. 2370).

Assim, tanto a encíclica quanto o Catecismo convergem: a esterilização contraceptiva nunca pode ser admitida, porque rompe a unidade do matrimônio com a abertura à vida. Em contrapartida, tratamentos médicos que, de forma indireta e não desejada, ocasionam infertilidade podem ser moralmente lícitos, pois visam a um bem superior — a saúde ou a vida.

Do ponto de vista canônico, a esterilização terapêutica não acarreta nenhuma pena, pois não constitui delito em si mesma. Contudo, a questão da esterilidade aparece no Código de Direito Canônico no âmbito do matrimônio, especificamente como causa de impedimento matrimonial. O cân. 1084 dispõe:

“§1. A impotência antecedente e perpétua para realizar o ato conjugal, por parte quer do marido quer da mulher, tanto absoluta como relativa, dirime o Matrimônio, pela própria natureza deste.,

§2. Se o impedimento da impotência for duvidoso, com dúvida quer de direito, quer de fato, não se deve impedir o Matrimônio nem, enquanto durar a dúvida, declara-se nulo.

§3. A esterilidade não proíbe nem dirime o Matrimônio, sem prejuízo do prescrito no cân. 1098.”

Esse cânon traz uma distinção essencial: a esterilidade, mesmo quando certa, não impede nem invalida o matrimônio. O que constitui impedimento dirimente é a impotência, ou seja, a incapacidade física para realizar o ato conjugal. Isso significa que uma pessoa estéril pode se casar validamente, desde que conserve a capacidade de consumar o matrimônio.

Esse ponto é decisivo para compreender a coerência da Igreja: a esterilidade, seja congênita, seja adquirida (como no caso da esterilização terapêutica), não é considerada obstáculo para o consentimento matrimonial nem para a validade do sacramento. Assim, a doutrina moral e o direito canônico caminham em harmonia: a esterilização direta permanece ilícita; a terapêutica é moralmente admissível; e a esterilidade, como estado de vida, não invalida a vocação matrimonial.

Conclusão

A diferença entre esterilização contraceptiva e terapêutica não é apenas um detalhe técnico, mas uma questão central da moral católica. Na primeira, há uma rejeição direta da fecundidade, que contradiz o sentido do matrimônio e do ato conjugal, tornando-a sempre ilícita. Na segunda, há a busca legítima da saúde e da preservação da vida, com a aceitação de um efeito indesejado, mas inevitável.

A Igreja, ao reafirmar essa distinção, mostra que a lei moral não é um peso insuportável, mas uma defesa da dignidade da pessoa e da vida. O fiel pode ter a certeza de que, em situações de grave necessidade médica, o cuidado da saúde não entra em conflito com a fidelidade à moral cristã, desde que a intenção seja reta e o ato esteja conforme os princípios da ética católica.

Referências

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Código de Direito Canônico: texto bilíngue com comentários, fontes, interpretações autênticas e legislação complementar da CNBB, Acordo Brasil-Santa Sé e índice analítico. 1. ed. Brasília: Edições CNBB, 2024. 1360 p. ISBN 978-65-5975-392-5.

CATECISMO da Igreja Católica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2013.

JOÃO PAULO II. Catecismo da Igreja Católica. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1992.

PAULO VI. Humanae Vitae: Carta Encíclica sobre a regulação da natalidade. Roma: Vaticano, 1968. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html. Acesso em: 31 ago. 2025.

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