O papel dos fiéis leigos na igreja de acordo com o direito canônico

O papel dos fiéis leigos na igreja de acordo com o direito canônico - Naves Advogados

Autor: Victor Naves – advogado, diretor jurídico da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese de Goiânia, especialista em direito constitucional e administrativo, mestrando em direito canônico.

Introdução

Os batizados formam a Igreja, que é novo Povo de Deus, da qual o antigo Povo de Deus, Israel, prefigurou. São incorporados ao Povo de Deus aqueles que, em comunhão com o Espírito de Cristo, aceitam integralmente sua organização e todos os meios e ela inerentes, e no seu corpo visível são unidos com Cristo, (que dirige a Igreja mediante o Sumo Pontífice e os bispos), através dos laços da profissão de fé, dos sacramentos, do regime eclesiástico e da comunhão (Lumen Gentium 14). Todo o Povo de Deus é chamado à santidade (Lumen Gentium 39) e ao apostolado (Lumen Gentium 9)

Este povo messiânico tem por cabeça Cristo, «o qual foi entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado por causa da nossa justificação» (Rom. 4,25) e, tendo agora alcançado um nome superior a todo o nome, reina glorioso nos céus. E condição deste povo a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo. A sua lei é o novo mandamento, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou (cfr. Jo. 13,34).

Os cânones 96 e 849, dispõe especificamente sobre o batismo como meio pelo qual o sujeito é incorporado à Igreja. Mediante o batismo, o homem é constituído pessoa, sob a perspectiva jurídico-canônica, que o incorporará a Igreja. Portanto, a pessoa na Igreja é sinônimo de fiel. Apenas através do batismo é que o homem recebe os direitos e deveres dos fiéis e se torna sujeito de direito na Igreja no sentido pleno.

Cân. 96 – Pelo baptismo o homem é incorporado na Igreja de Cristo e nela constituído pessoa, com os deveres e direitos que, atendendo à sua condição, são próprios dos cristãos, na medida em que estes permanecem na comunhão eclesiástica e a não ser que obste uma sanção legitimamente infligida.

Cân. 849 — O baptismo, porta dos sacramentos, necessário de facto ou pelo menos em desejo para a salvação, pelo qual os homens são libertados dos pecados, se regeneram como filhos de Deus e, configurados com Cristo por um carácter indelével, se incorporam na Igreja, só se confere validamente pela ablução de água verdadeira com a devida forma verbal.

O Código de Direito Canônico dispõe no cânon 204 §1º, de forma mais ampla, sobre quem são os fiéis na Igreja.

São considerados fieis (christifideles) aqueles que receberam o batismo, com o qual são configurados a Cristo com um caráter indelével e incorporados à Igreja. E o §2º reafirma o princípio da unidade da Igreja, sob a qual os fiéis devem estar em comunhão com os bispos e o Sumo Pontífice.

Cân. 204 — § l. Fiéis são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo baptismo, foram constituídos em povo de Deus e por este motivo se tornaram a seu modo participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e, segundo a própria condição, são chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja para esta realizar no mundo.

§ 2. Esta Igreja, constituída e ordenada neste mundo como sociedade, subsiste na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele

Dentro desta perspectiva da Igreja militante, composta pelos fiéis batizados na Igreja ou nela recebidos, existem os clérigos e os leigos. Tal distinção, conforme se verá adiante, se funda no princípio hierárquico, que foi desejado pelo próprio Cristo, quando da fundação da Igreja.

A Constituição Dogmática Lumen Gentium, no ponto 31, descreve quem são os fiéis leigos:

Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja se no mundo.

O Livro II do Código de Direito Canônico foi fortemente influenciado magistério do Concílio Vaticano II, que consagra a igualdade radical entre todos os fiéis (leigos e clérigos), ao mesmo tempo em que reconhece que, em virtude da vontade de Cristo, a Igreja opera através de funções diferentes, que supõe uma estrutura hierárquica de poder.

O Princípio da Unidade na Diversidade.

Os princípios basilares que sustentam o Povo de Deus são o da igualdade e o da multiplicidade ou variedade. Todos os batizados são igualmente chamados a plenitude da santidade, que é a mesma para todos, e todos também são chamados ao apostolado comum (Lumen Gentium 32,42). Pode-se dizer que todos os fiéis são iguais em dignidade. Por outro lá, há uma grande diversidade de formas de alcançar a santidade a qual somos chamados, conforme o estado, a condição de vida, e de vocação específica de cada fiel.

            O ponto fundamental do princípio da multiplicidade ou variedade, é o princípio hierárquico. Pela vontade de Cristo (e por consequência não pela vontade dos homens), existe na Igreja a hierarquia, de ordem, de jurisdição e de magistério, dotada de poder para ensinar a doutrina, guardar o depósito da fé, governar a Igreja, administrar os Sacramentos e, como ápice, renovar o sacrifício da Cruz por meio da celebração do Sacrifício Eucarístico (em virtude da missão que a Igreja recebeu de Cristo).

Contudo, a Liturgia é simultâneamente a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força. Na verdade, o trabalho apostólico ordena-se a conseguir que todos os que se tornaram filhos de Deus pela fé e pelo Baptismo se reunam em assembleia para louvar a Deus no meio da Igreja, participem no Sacrifício e comam a Ceia do Senhor. (Sacrosanctum Concilium10)

            A própria Lumen Gentium, em seu ponto 32, já indica que a unidade da Igreja é fundada na diversidade de dons:

A santa Igreja, por instituição divina, é organizada e governada com uma variedade admirável. «Assim como num mesmo corpo temos muitos membros, e nem todos têm a mesma função, assim, sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos outros» (Rom. 12, 4-5).

[…]

Portanto, ainda que, na Igreja, nem todos sigam pelo mesmo caminho, todos são, contudo, chamados à santidade, e a todos coube a mesma fé pela justiça de Deus (cfr. 2 Ped. 1,1). Ainda que, por vontade de Cristo, alguns são constituídos doutores, dispensadores dos mistérios e pastores em favor dos demais, reina, porém, igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à actuação, comum a todos os fiéis, em favor da edificação do corpo de Cristo. A distinção que o Senhor estabeleceu entre os ministros sagrados e o restante Povo de Deus, contribui para a união, já que os pastores e os demais fiéis estão ligados uns aos outros por uma vinculação comum: os pastores da Igreja, imitando o exemplo do Senhor, prestem serviço uns aos outros e aos fiéis: e estes dêem alegremente a sua colaboração aos pastores e doutores. Deste modo, todos testemunham, na variedade, a admirável unidade do Corpo místico de Cristo: a própria diversidade de graças, ministérios e actividades, consagra em unidade os filhos de Deus, porque «um só e o mesmo é o Espírito que opera todas estas coisas» (1 Cor. 12,11).

A Constituição Dogmática Lumen Gentium, no ponto 31, discorre sobre o papel dos fiéis leigos perante a Igreja e o mundo, de acordo com o magistério do Concilio Vaticano II:

É própria e peculiar dos leigos a característica secular. Com efeito, os membros da sagrada Ordem, ainda que algumas vezes possam tratar de assuntos seculares, exercendo mesmo uma profissão profana, contudo, em razão da sua vocação específica, destinam-se sobretudo e expressamente ao sagrado ministério; enquanto que os religiosos, no seu estado, dão magnífico e privilegiado testemunho de que se não pode transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças. Por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e actividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor.

Segundo esta Constituição, devem os leigos se ocupar das questões temporais, ordenando-as a Deus, de acordo com seu individual estado de vida, e de suas possibilidades.

Nesse mesmo sentido, a Exortação Pós-Sinodal Christifideles Laici, ao se utilizar da parábola da vinha, demonstra que a natureza missionária no Concílio Vaticano II não diz respeito apenas aos clérigos, mas estende-se aos fiéis leigos.

O Reino dos Céus é semelhante a um proprietário, que saiu muito cedo, a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a vinha (Mt 20, 1-2)

[…]

O sagrado Concílio pede instantemente no Senhor a todos os leigos que respondam com decisão de vontade, ânimo generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo, que nesta hora os convida com maior insistência, e ao impulso do Espírito Santo. De modo particular os mais novos tomem como dirigido a si próprios este chamamento e recebam-no com alegria e magnanimidade. Com efeito, é o próprio Senhor que, por meio deste sagrado Concílio, mais uma vez convida todos os leigos a que se unam a Ele cada vez mais intimamente, e, sentindo como próprio o que é d’Ele (cf. Fil 2, 5), se associem à Sua missão salvadora. Ele quem de novo os envia a todas as cidades e lugares aonde Ele há-de chegar (cf. Lc 10, 1)[1] Todos os fiéis leigos, devem criar e fomentar a tomada de consciência e o dom da responsabilidade, em virtude da comunhão e da missão da Igreja, motivo pelo qual, deve-se atentar para seu papel não somente para com as questões eclesiásticas, mas também no que tange seu sacerdócio comum. Por isso, em virtude da missão apostólica imbuída a cada fiel cristão de ser apostolo de Cristo e de pregar o evangelho a todas as criaturas em todos os lugares, devem os cristãos se ocupar das realidades terrenas, sendo sal da terra e luz para todos os povos, em todos os tempos e em todos os lugares.

O Sacerdócio Comum dos Fieis Leigos na Constituição Dogmática Lumen Gentium a na Exortação Apostólica Pós-Sinal Christifideles Laici.

A Constituição Dogmática Lumen Gentium, no seu ponto 11, nos informa que a Igreja é uma comunidade sacerdotal, sua natureza é sagrada e sua estrutura orgânica.

A índole sagrada e, orgânica da comunidade sacerdotal efectiva-se pelos sacramentos e pelas virtudes. Os fiéis, incorporados na Igreja pelo Baptismo, são destinados pelo carácter baptismal ao culto da religião cristã e, regenerados para filhos de Deus, devem confessar diante dos homens a fé que de Deus receberam por meio da Igreja

Essa ideia sintetiza a doutrina a respeito do sacerdócio, que se divide entre o comum e o ministerial. A Constituição Dogmática Lumen Gentium detalha como a natureza dessa comunidade sacerdotal se manifesta e se desenvolve na vida sacramental da Igreja e na pratica das virtudes pelos cristãos.

Os fiéis são chamados a participar do sacerdócio de Cristo através de duas formas distintas: do sacerdócio comum dos fiéis e do sacerdócio ministerial ou hierárquico.

Ambos os sacerdócios, apesar de se diferenciarem em essência e em grau, se ordenam mutuamente, pois participam ao seu modo do único sacerdócio de Cristo. O sacerdote ministerial, em virtude do sacramento da ordem, forma e conduz o povo, e realiza o sacrifício eucarístico em nome do povo. Já os fieis leigos, participam do Sacrifício Eucarístico em razão do seu sacerdócio real que exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida na abnegação e na caridade (Lumen Gentium 10).

São José Maria Escrivá, distingue com maestria esses dois tipos de sacerdócio:

Apóstolo é o cristão que se sente enxertado em Cristo, identificado com Cristo, através do Baptismo; capacitados para lutar por Cristo, pela Confirmação; chamados a servir a Deus com a sua ação no mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que confere uma certa participação no sacerdócio de Cristo, que – sendo essencialmente diferente daquele que constitui o sacerdócio ministerial – permite participar na adoração da Igreja, e para ajudar os homens em seu caminho para Deus, com o testemunho da palavra e o exemplo, com a oração e com a expiação.[1]

O Concílio Vaticano II (Lumen Gentium 39) afirma que o sacerdócio comum consiste na perseverança da oração e louvor a Deus, de forma que os fiéis se ofereçam como hóstias vivas, santas e agradáveis a Deus.

Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os homens (cfr. Hebr. 5, 1-5), fez do novo povo um «reino sacerdotal para seu Deus e Pai» (Apor. 1,6; cfr. 5, 9-10). Na verdade, os baptizados, pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável luz (cfr. 1 Ped. 2, 4-10). Por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e louvando a Deus (cfr. Act., 2, 42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas, agradáveis a Deus (cfr. Roma 12,1), dêem. testemunho de Cristo em toda a parte e àqueles que lha pedirem dêem razão da esperança da vida eterna que neles habita (cfr. 1 Ped. 3,15). .O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo (16). Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte, concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real (17), que eles exercem na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa.

Os fiéis leigos são chamados por Deus para contribuírem para a santificação do mundo a partir “de dentro”, realizando suas tarefas próprias, norteados pelo espírito do evangelho, manifestando Cristo aos outros, especialmente com testemunho de vida e através da sua fé, esperança e caridade.

É papel dos leigos tornarem a Igreja presente e atuante em locais onde ela não pode estar através do sacerdócio ministerial. Portanto, devem os leigos através de suas obras diárias, fazer a Igreja sempre presente, seja onde for.

A Exortação o Apostólica Christifideles Laici faz referência a função dos leigos como, exortando sobre o risco de se restringirem às tarefas eclesiásticas, ao ponto de esquecerem de suas responsabilidades para com o mundo nos planos, profissional, social, econômico, cultural e político.

Ao mesmo tempo, o Sínodo acentuou como o caminho pós-conciliar dos fiéis leigos não tem estado isento de dificuldades e de perigos. Em especial podem recordar-se duas tentações, de que nem sempre souberam desviar-se: a tentação de mostrar um exclusivo interesse pelos serviços e tarefas eclesiais, por forma a chegarem frequentemente a uma prática abdicação das suas responsabilidades específicas no mundo profissional, social, económico, cultural e político; e a tentação de legitimar a indevida separação entre a fé e a vida, entre a aceitação do Evangelho e a acção concreta nas mais variadas realidades temporais e terrenas.

Esse esquecimento poderia redundar em uma separação indevida entre a fé e a vida, entre evangelização e a ação prática no dia a dia dos fiéis. Segundo São João Paulo II, o que identifica os leigos é a “índole secular”, pois Deus os chama para a santificação. Percebe-se, portanto, que o Sínodo abordou a questão dos leigos, afirmando que não podem isolar-se do mundo, nas estruturas eclesiásticas, evitando se fazer presente no mundo e enfrentando as questões seculares e temporais. O papel do cristão, e em especial do leigo, é ser sal da terra, e luz para os povos. Portanto, devem sempre estarem no mundo, levando a mensagem de Cristo para todos, seja no ceio familiar, no convívio profissional ou em atividades sociais e culturais.

O Sacerdócio Comum no Código De Direito Canônico De 1983

O Livro II, entre os cânons 224 a 231 do Código de Direito Canônico, apresenta o que fora denominado como sendo os “direitos fundamentais e os deveres” dos fieis leigos” no ceio da Igreja. Neste contexto, os leigos a que se refere o Código são aqueles em sentido especifico, ou seja, os seculares.

O cânon 225 trata do chamado ao apostolado que recebem os fiéis leigos, que é um dever moral, e não jurídico, por se tratar de uma consequência proveniente do batismo, que é de buscar santidade. Juridicamente, o apostolado é objeto de um direito à liberdade, cujo exercício não pode ser imposto nem impedido e, por isso, é denominado de conditio libertatis.

A função da hierarquia, no que diz respeito ao apostolado dos leigos, consiste em oferecer o apoio necessário, através da direção, auxílio espiritual, e dos sacramentos, fomentando o desenvolvimento do sujeito para o bem comum da Igreja, garantido que a ordem e a doutrina da Igreja sejam respeitadas.

Cân. 225 — § 1. Os leigos, uma vez que, como todos os fiéis, são deputados para o apostolado em virtude do baptismo e da confirmação, têm a obrigação geral e gozam do direito de, quer individualmente quer reunidos em associações, trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e em todas as partes da terra; esta obrigação torna-se mais urgente nas circunstâncias em que só por meio deles os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo.

§ 2. Têm ainda o dever peculiar de, cada qual segundo a própria condição, imbuir e aperfeiçoar com espírito evangélico a ordem temporal, e de dar testemunho de Cristo especialmente na sua actuação e no desempenho das suas funções seculares.

Deve-se notar que o apostolado dos leigos pode ocorrer individualmente ou de forma associativa. Individualmente, o sujeito deve promover seu apostolado de forma pessoal e espontânea, que pode se dar de várias maneiras: pelo testemunho de vida, através da propagação escrita ou oral da doutrina da Igreja, na vida pessoal familiar, profissional, social. Associativamente, o sujeito pode também se entregar ao apostolado, contudo, através de uma estrutura jurídica civil e/ou canônica.

Conforme comentado por Ernest Caparros nos comentários exegéticos[1] ao Código de Direito Canônico, na maioria das vezes os homens somente conhecem a Cristo ao receber um testemunho vivo do Evangelho através dos leigos (LG,33).

Mas os leigos são especialmente chamados a tornarem a Igreja presente e activa naqueles locais e circunstâncias em que só por meio deles ela pode ser o sal da terra (112). Deste modo, todo e qualquer leigo, pelos dons que lhe foram concedidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da missão da própria Igreja, «segundo a medida concedida por Cristo» (Ef. 4,7).

Trata-se, portanto, de um direito fundamental que deve ser tutelado, pois é a vontade fundacional do próprio Cristo. É um direito que pertence a todos os fiéis, é perpetuo e inalienável.

O Princípio da Liberdade e da Autonomia.

Referente a obrigação dos leigos de evangelizar o mundo, estes devem sempre se guiar pela doutrina e o magistério da Igreja, na busca por soluções para os problemas temporais e seculares. Contudo, deve-se respeitar a diversidade de formas, respalda pelos princípios da liberdade e da autonomia, garantidos neste cânon. Deve prevalecer a mentalidade laical para solução dos problemas, em detrimento de uma visão clericalizada do mundo.

Não existe forma específica sobre a forma de exercer esse direito/dever ao apostolado. A Igreja não especifica e nem delimita em seus documentos o modo pelo qual os fiéis devem realiza-lo. Existe uma infinidade de maneiras para que esse dever seja cumprido.

O cânon 227, que deve ser interpretado contextualmente ao cânon supracitado, garante a liberdade e autonomia de que gozam os fiéis leigos sobre as questões temporais:

Cân. 227 — Os fiéis leigos têm o direito de que, nas coisas da cidade terrena, lhes seja reconhecida a liberdade que compete a todos os cidadãos; ao utilizarem esta liberdade, procurem que a sua actuação seja imbuída do espírito evangélico, e atendam à doutrina proposta pelo magistério da Igreja, tendo, porém, o cuidado de, nas matérias opináveis, não apresentarem a sua opinião como doutrina da Igreja.

Essa liberdade e autonomia deve ser exercia pelos fiéis leigos, de forma com que assuma toda a responsabilidade, pois suas ideias e opiniões não são atribuídas à Igreja, mas são apenas opiniões pessoais.

A interpretação sistêmica entre os cânons 225 § 2º e 227, levam a conclusão de que a Igreja não detém a competência de regular as os detalhes das soluções concretas para os problemas temporais, que envolve a liberdade de expressão e de opinião. Assim como o leigo não pode confundir sua opinião pessoal com o magistério e a doutrina da Igreja, a Igreja não pode se imiscuir na liberdade da qual goza o fiel.

Inclusive, o Catecismo da Igreja Católica, com base na Encíclica de São João Paulo II, Sollicitudo rei socialis, é claro ao afirmar:

2442. Não compete aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Este papel faz parte da vocação dos fiéis leigos, agindo por sua própria iniciativa juntamente com os seus concidadãos. A ação social pode implicar uma pluralidade de caminhos concretos; mas deverá ter sempre em vista o bem comum e conformar-se a mensagem evangélica e o ensinamento da Igreja. Compete aos fiéis leigos «animar as realidades temporais com o seu compromisso cristão, comportando-se nelas como artífices da paz e da justiça

Portanto, deve haver um equilíbrio entre a liberdade garantida nos canons em questão e a responsabilidade e o respeito aos pastores e ao magistério da Igreja, sem que isso implique em um clericalismo desproporcional.

Conclusão

Portanto, pode-se concluir que o sacerdócio comum dos leigos, especialmente após o Concílio Vaticano II, tem desempenhando um relevante serviço para a Igreja e pelo Povo de Deus.

Ao consagrar os princípios da igualdade radical, da diversidade e o da hierarquia, a Igreja reconhece a importância dos fiéis leigos no cumprimento do mandato de Cristo de Evangelização do mundo, ao mesmo tempo que se reconhece a importância de uma estrutura hierárquica para que se mantenha intacto o depósito da fé e o governo da Igreja.

O princípio da liberdade e da autonomia garantidos aos fiéis leigos, consiste na pavimentação da estrada que devem percorrer, guiando-se sempre pela doutrina e o magistério da Igreja, sempre se pautando pelo princípio da unidade da Igreja e o respeito aos pastores e à hierarquia da Igreja.

Bibliografia

Portilho A.; A Igreja, Aos Sacerdotes, profunde sua fé, O Filho / 7 de abril de 2013 /, Leigos na Missão da Igreja. Revista Mundo Cristiano, abril de 1999, pp. 37-48. Disponível em http://www.amoranossasenhora.com.br/a-tarefa-dos-leigos-na-missao-da-igreja-alvaro-del-portillo/

Codice di Diritto Canonico e Leggi Complementari Commentato. 6ª Edição. Ed. Coletti a San Pietro. Pontificia Università dela Santa Croce.

Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium

Conc. Ecum. Vat. II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici.

Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes.

Ghirlanda, G.; O Direito na Igreja – Mistério de Comunhão. Ed. Santuário. Aparecida – SP.

J. ESCRIVÁ DE BALAGUEREs Cristo que pasa. Homilías, 1ª ed, Madrid 1973 n. 120.

Marzoa, A.; Miras J.; Rodríguez-Ocaña,j.; Comentário Exegético Al Código de Direito Canónico. 3ª Edição. Pamplona. Ed. Eunsa, s/d. v.2.

1 Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem
2 J. ESCRIVÁ DE BALAGUER, Es Cristo que pasa. Homilías, 1ª ed, Madrid 1973 n. 120.
3 Marzoa, A.; Miras J.; Rodríguez-Ocaña,j.; Comentário Exegético Al Código de Direito Canónico. 3ª Edição. Pamplona. Ed. Eunsa, s/d. v.2. pg 169

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