A venda de bens da Igreja é permitido pelo Direito Canônico?

A venda de bens da Igreja é permitido pelo Direito Canônico?

A possibilidade jurídica de alienação de bens eclesiásticos é uma questão recorrente, e que gera dúvidas tanto no âmbito civil como no canônico. Os bens da Igreja (móveis e imóveis) podem ser alienados? Existe algum óbice, ou requisito exigido, para que esses bens possam ser negociados?

Antes de adentramos ao mérito, é importante salientar, que o princípio supremo que rege a Igreja, e, portanto, o Código de Direito Canônico é a salus animarum, ou seja, a salvação das almas. Este é norte que deve orientar qualquer conduta, seja sela administrativa, jurídica ou pastoral.

O Código de Direito Canônico deixa um amplo espaço ao direito particular para regulamentar a questão da administração dos bens eclesiásticos, visando garantir uma gestão mais eficaz, independentemente de onde o bem estiver, ou qual a situação em que se encontra. A gestão do patrimônio eclesiástico depende menos de normas jurídicas, e mais de uma boa estrutura organizacional e da colaboração de especialistas em gestão e técnicas financeiras.

Contudo, é importante compreender os limites e os parâmetros dispostos pela legislação canônica, a fim de que sejam evitadas condutas ilegais.

Os Bens Temporais da Igreja.

O Código dispõe que são direitos naturais da Igreja, adquirir, possuir, administrar e alienar bens temporais, independentemente do poder civil. Nesse contexto, a Igreja Universal (e a Sé Apostólica), as Igrejas Particulares, e todas as outras pessoas jurídicas canônicas (sejam públicas ou privadas), tem legitimidade para adquirir, possuir, administrar ou alienar bens móveis e imóveis.

Portanto, reconhecido que a Igreja deve adquirir, possuir e administrar os bens temporais visando a salvação das almas, o Código regulamenta algumas condutas, e outras tantas são deixadas a critério do direito particular, dos atos constitutivos e estatutos das diversas pessoas jurídicas que compõe a Igreja.

A Alienação dos Bens da Igreja.

O Direito Canônico dispõe que, nas relações que envolvem os bens da Igreja (e nas matérias sujeitos ao poder de governo da Igreja), deve-se observar o disposto na lei civil vigente do respectivo território onde o negócio está sendo realizado, desde que não seja contrário ao direito divino, ou que a legislação canônica disponha de outro modo.

Sobre a alienação dos bens eclesiásticos, o Código de Direito Canônico dispõe de um sistema de controle preventivo para a validade dos atos. A finalidade deste sistema é de garantir que os motivos da alienação sejam justos e razoáveis, além de permitir a supervisão e a coordenação sobre a gestão dos bens de interesse eclesial.

O Código, no cânon 1291 dispõe:

Cân. 1291 — Para alienar validamente bens que por legítima atribuição constituam o patrimônio estável da pessoa jurídica pública e cujo valor exceda a soma estabelecida no direito, requer-se licença da autoridade competente segundo as normas do direito.

Esse controle exercido sobre os bens eclesiásticos é feito através da exigência de licença pela autoridade eclesiástica competente, como requisito necessário para a alienação dos bens que fazem parte do patrimônio estável de uma pessoa jurídica de direito público, cujo valor seja superior ao estabelecido pelo direito.

É importante notar que o patrimônio eclesiástico é destinado a servir a Igreja na consecução da salvação das almas, portanto, deve-se sempre ressaltar a piedade e a caridade como as bussolas que devem guiar a gestão do patrimônio da Igreja.

A competência para a autorização da alienação.

É dever da Conferência Episcopal Regional fixar o valor mínimo e máximo para que a alienação do patrimônio estável eclesial. Esses valores repercutem na necessidade de se exigir a licença, ou não.

Se os bens tiverem o valor estimado menor do que foi estipulado pela Conferência Episcopal, não há a necessidade de licença para que seja alienado. Contudo, caso seu valor seja estipulado entre o mínimo e o máximo, ou caso exceda o máximo, é necessária a respectiva licença para alienação.

A definição da autoridade competente para expedir a licença, depende da natureza do bem, a quem está vinculado, e do seu valor. Caso se trate de pessoas jurídicas não sujeitas ao Bispo Diocesano, os estatutos disporão sobre a autoridade que deve dar a licença; do contrário, cabe ao bispo diocesano ponderar sobre a expedição da licença para alienação do bem.

Em se tratando de bem que tenha seu valor estimado entre o mínimo e máximo estipulado pela Conferência Episcopal Regional, cabe ao Bispo Diocesano (ou outra pessoa definida no estatuto ou nos atos constitutivos das pessoas jurídicas), com o consentimento do conselho para os assuntos econômicos e o colégio de consultores e dos interessados disporá, via de regra, sobre a possibilidade de alienação do bem (inclusive nas vendas de bens da diocese, é necessário o consentimento dessas pessoas).

Caso o valor do bem exceda a quantia máxima fixada, ou caso se trata de bens com relevante valor histórico e cultural, é necessária a licença da Santa Sé.

A alienação dos Bens dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica.

Deve-se observar ainda, que o cânon 638, § 3º, que estabelece os requisitos de validade para a alienação de bens dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica.

O próprio Código estabelece que é dever do Superior competente expedir licença por escrito como condição de validade de uma alienação ou de qualquer negócio em que a condição patrimonial da pessoa jurídica possa se tornar pior. Contudo, se o valor exceder aqueles definidos pela Santa Sé para aquela região, ou em se tratando de objeto com relevante valor histórico ou cultural, é necessária a licença da Santa Sé.

A Carta Circular da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólicas, aprovada pelo Santo Padre, Papa Francisco, no que se refere à gestão dos bens nas instituições da Igreja Católica Apostólica Romana: “Linee orientative per la gestione dei beni negli Istituti di vita consacrata e nelle Società di vita apostolica”, dispõe sobre as diretrizes referentes a administração desses bens.

Conforme expresso na Carta Circular da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólicas” datada de 02 de agosto de 2014 e aprovada por sua Santidade o Papa Francisco: “A dimensão econômica está intimamente entrelaçada com a pessoa e a missão. Opções fundamentais da vida passam pela economia, e nelas é preciso que transpareça o testemunho evangélico, atento às necessidades dos irmãos e irmãs.

Por conseguinte, na dinâmica formativa não se há de descuidar da atenção à dimensão evangélica da economia, particularmente na preparação dos que terão a responsabilidade de governo e administrarão as estruturas econômicas, seguindo os princípios da gratuidade, fraternidade e justiça, ao fundamentar uma economia evangélica baseada na partilha e na comunhão”. […] “Estas orientações e os princípios para a gestão dos bens são indicados a ajudar os Institutos a responder com renovada audácia e profecia evangélica aos desafios de nosso tempo, e possam continuar sendo sinal profético do amor de Deus”.

Requisitos para Alienação dos Bens que exigem Licença

Para que seja expedida a licença de alienação de patrimônio estável, é necessário direcionar o requerimento para a autoridade competente, comprovando a justa causa para a alienação daquele bem, que se denota da necessidade urgente, da utilidade evidente, da piedade, da caridade, ou de outra razão que justifique tal pretensão.

É necessário também que seja realizada a avaliação do bem, por meio de um perito, que expedira documento que demonstre seu valor real.

A autoridade que expedirá a licença poderá determinar outras medidas, para que se evite danos para a Igreja.

Conclusões

Tendo em vista as ponderações feitas, com base no disposto no Direito Canônico, conclui-se que a norma estabelece limites para a alienação de bens, tendo em vista a necessidade de se tutelar os interesses da Igreja, em busca pela salvação das almas.

Caso os bens eclesiásticos sejam alienados sem a observância da normativa canônica, mas a alienação for válida civilmente, a autoridade competente poderá propor ação judicial (pessoal ou real), para reivindicar os direitos da Igreja.

Portanto, considerando a unidade e a indivisibilidade da Igreja, a obediência e o respeito a sua doutrina, tradição e o magistério, é imprescindível que as normas canônicas sejam minunciosamente observadas.


Autor

Victor Naves – advogado, diretor jurídico da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese de Goiânia, mestrando em direito canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e especialista em direito constitucional e administrativo pela PUC/GO

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